A Mulher no Futuro
August Bebel
1879
Hoje eu ia publicar um vídeo sobre a mulher do futuro sob o prisma das indústrias que criam robôs e bonecas de silicone, porém resolvi fazer uma pesquisa sobre o assunto e encontrei este texto de um livro do alemão August Bebel que relata uma fusão entre o mercado de trabalho e a independência da mulher e que uma visão mais ampla permite colocar que o homem tem que respeitar o próprio homem e neste dia, sim, teremos a igualdade entre os seres humanos, homens e mulheres.
Primeira edição: Capítulo XXVIII do livro: A Mulher e o Socialismo, publicado na Alemanha em 1879
Fonte: Partido da Causa Operária
Transcrição: Alexandre Linares
HTML: Fernando A. S. Araújo.
A mulher será completamente independente, no aspecto econômico e no social, não conhecerá sequer a sombra de domínio ou de exploração. Será livre, igual ao homem e senhora do seu destino. Será educada como ele, salvo nos casos em que é incontestável a diferença de sexos.
Vivendo em condições naturais, ela poderá desenvolver as suas forças físicas e intelectuais conforme as suas necessidades; terá toda a liberdade para escolher a esfera de atividade que melhor corresponde aos seus anseios, inclinações e dotes e trabalhará em condições de igualdade com o homem. Uma parte do dia a operária ocupa-se em algo de prático, na outra parte dedica-se à educação dos jovens ou cuida dos enfermos, a terceira parte emprega-a em problemas de arte ou de ciência e, finalmente, no restante tempo cumprirá qualquer função administrativa. Dedica-se á ciência, trabalha, descansa e diverte-se em companhia de outras mulheres ou homens, conforme for seu desejo e sempre que tenha oportunidade.
Tal como o homem, a mulher gozará plena liberdade na escolha do seu companheiro. Elege-o ou é eleita e só se casará se o escolhido corresponder às suas inclinações. Esta união será, como era antes da Idade Média, um contrato privado, sem a intervenção das autoridades. O socialismo, aqui, nada cria de novo; a única coisa que faz é pôr a um nível cultural superior e em novas formas sociais o que era regra geral enquanto não se impôs na sociedade o reinado da propriedade privada.
O homem poderá dispor de si, sempre que a satisfação das suas necessidades não cause dano aos outros. A satisfação do instinto sexual é uma coisa tão pessoal do indivíduo como a satisfação de qualquer outra necessidade natural. Ninguém terá por esse fato que dar contas a outrem e ninguém deverá imiscuir-se no assunto, sem ser solicitado a fazê-lo. As minhas relações com pessoas de outro sexo, o meu modo de comer, de beber, de vestir e de dormir são coisas pessoais minhas. A inteligência, a instrução e completa independência do indivíduo são propriedades que, em virtude da educação e das condições da sociedade futura, serão naturais e protegerão cada um contra atos improcedentes. Os homens e as mulheres da sociedade futura possuirão um grau de desenvolvimento e de conhecimento de si mesmos muito mais alto do que possuem hoje. Já o fato de haver desaparecido toda a falsa vergonha e todo o medo ridículo de falar dos problemas sexuais, como se fosse algo de misterioso, tornará muito mais naturais as relações entre os sexos. Se entre duas pessoas que contraíram matrimônio surge indiferença ou antipatia, é moral desfazer a união, pois ela se tornou antinatural e, portanto, amoral. Ao desaparecerem todas as circunstâncias que atualmente condenaram muitas mulheres ao celibato ou à prostituição, os homens não poderão já fazer valer o seu predomínio. Por outro lado, as importantes mudanças ocorridas nas condições sociais suprimirão muitos obstáculos e causas de desorganização que hoje influem na vida conjugal e a tornaram por completo impossível e impedem a sua felicidade.
Os obstáculos, as contradições e o caráter antinatural da atual situação da mulher são conhecidos de todos e têm a sua expressão na literatura social, nas novelas quase sempre de forma infeliz. Nenhuma pessoa inteligente negará que o matrimônio atual corresponde, cada vez menos, à sua finalidade, mesmo aqueles que não se mostram conseqüentes na sua ânsia de modificar o nosso regime social, achem perfeitamente justo que o amor como o divórcio seja livre; estas pessoas opinam que só as classes privilegiadas devem ser livres nas relações sexuais. Vejamos, por exemplo, o diz Matilda Reichardt-Stromberg na sua polêmica contra os esforços da escritora Fanny Leward para conseguir a emancipação da mulher:
"Se Fanny Lewald reclama, para a mulher, a completa igualdade de direitos com o homem na vida social e política, George Sand tem também necessariamente razão nas suas reivindicações de emancipação, pois não pede mais do que aquilo que o homem de há muito possui. E não há qualquer motivo plausível para que, nessa igualdade de direitos, só possa participar a cabeça da mulher e não o seu coração - porque não há de ela ser livre para receber e dar, como o homem? Ao contrário, se a mulher, por força da sua natureza, tem o direito - não devemos enterrar o nosso talento - e o dever de levar as fibras do seu cérebro à máxima tensão para estar em condições de lutar contra os gigantes intelectuais do outro sexo, deve ter também o direito - como estes últimos — de recorrer aos métodos que lhe pareçam mais adequados para manter o equilíbrio e acelerar o bater de seu coração. Quando lemos, sem sentir o mínimo pudor, quantas vezes Goethe — para tomar um exemplo dos maiores — malbaratou, sempre com uma mulher diferente, o calor do seu coração e o entusiasmo da sua grande alma, qualquer pessoa sensata considera isto natural precisamente porque era difícil satisfazer a grande alma de Goethe; e só um moralista limitado pode censurá-lo. Porque rir então das "grandes almas" das mulheres?... Admitamos que todo o sexo feminino consta de grandes almas no estilo das descritas por George Sand, que qualquer mulher é uma Lucrécia Floriani (NR: protagonista de uma novela de George Sand), cujos filhos são todos filhos do amor, filhos que educa com tanto carinho automaticamente maternal, com devoção, sensatez e compreensão. Que aconteceria no mundo? Não há a menor dúvida de que o mundo continuaria a existir e a progredir como hoje e, quiçá, a sentir-se perfeitamente bem."
Mas, porque é que só as "grandes almas" podem ter direito a tudo isso e não as restantes, que não são tão "grandes"? Se a um Goethe e uma George Sand, para não referirmos mais que estes dois dos muitos que procederam e procedem como eles, se lhes permitia viver de acordo com as inclinações do seu coração, se acerca dos amores de Goethe se publicam bibliotecas inteiras que os seus admiradores e admiradoras devoram como devoto entusiasmo - porque se censuram nos demais aquilo que feito por Goethe ou George Sand é motivo de êxtase e entusiasmo?
Na realidade, a eleição livre do amor, na sociedade burguesa, não é possível, pretendemos nós demonstrar. Mas ponhamos todos nas condições sociais de que hoje desfrutam apenas uns tantos eleitos, no aspecto material e espiritual, e todos gozarão de igual liberdade.
No seu Jacques, George Sand descreve um marido que tem o seguinte critério sobre a infidelidade da esposa:
"Nenhum ser humano pode com o amor e ninguém tem a culpa de o sentir ou de o perder. O que torna vil uma mulher é a mentira; o que constitui o adultério não é a hora a que se entrega ao amante, mas sim a noite que passa, a seguir, com o marido."
Movido por semelhantes idéias, Jacques vê-se forçado a ceder o seu lugar ao rival, Borel, filosofando:
"Se estivesse no meu lugar, Borel pegaria tranqüilamente na mulher e, logo, sem a mínima crítica, aceitá-la-ia nos seus braços, ofendida pelos seus gestos e beijos. Há homens que nem pensam muito, segundo o costume oriental, matam a esposa infiel, uma vez que a consideram sua legítima propriedade. Outros lutam com o rival, matam-no ou afastam-no e vão solicitar beijos da mulher que pretendem amar, que se retira com horror ou se resigna, desesperada. Esta é a maneira comum de atual do amor conjugal. E eu digo que o amor dos porcos é menos vil e menos animal que a de semelhantes pessoas".
Brandes faz a seguinte observação às frases citadas aqui:
"Estas verdades, que parecem elementares ao nosso mundo intelectual, soaram há cinqüenta anos como indigna chicana".
Porém, o mundo possessor e intelectual dos nossos dias não se atreve a declarar-se abertamente partidário dos princípios de George Sand, embora na realidade viva de acordo com eles. Assim como é hipócrita na moral, é-lo no casamento.
O que Goethe e Sand faziam, o fazem hoje milhares de outros que não se podem comparar ao primeiro nem à segunda e não perdem o prestígio na sociedade. Basta ocupar um lugar de destaque e logo as coisas se arranjam por si mesmas. Apesar disso, as liberdades tomadas por Goethe e Sand consideram-se a amorais, do ponto de vista da moral burguesa, uma vez que contrariam as leis morais promulgadas pela sociedade e chocam com a natureza do nosso estado social. É normal o casamento à força, a única união "moral" dos sexos; qualquer outra união é amoral. O casamento burguês , conforme demostramos sem deixar lugar a dúvidas, está relacionado com as relações burguesas de propriedade. Estreitamente ligado à propriedade privada e ao direito de herança, contrai-se matrimônio para ter filhos "legítimos" como herdeiros. E sob a pressão das condições sociais impõe-se também àqueles que "nada têm para herdar", torna-se um direito social cuja infração é punida pelo Estado, que leva à prisão homens e mulheres culpados de adultério.
Na sociedade socialista, nada há para herdar, a não ser objetos de uso pessoal e doméstico; deste ponto de vista desaparece também a forma atual de matrimônio. Com ele, suprime-se o problema do direito de herança, que o socialismo nem sequer terá de suprimir; uma vez que não existe propriedade privada, não existirá o direito de herança. A mulher será livre e esta liberdade que os filhos não restringem, antes só poderão aumentar a sua alegria de viver. Educadoras, amigas, raparigas jovens auxiliam a mãe sempre que esta o necessite.
É possível que, no futuro, haja homens que digam como H. Humboldt:
"não fui feito para ser pai de família, além disso, considero o casamento um pecado e fazer filhos um crime."
E depois? Outros se encarregarão de manter o equilíbrio da força da necessidade natural. Não nos preocupa o ódio de Humboldt ao casamento nem o pessimismo físico de Shopenhauer, de Mäinländer ou de von Hartmann, que admitem que a humanidade, no Estado "ideal", chegaria à destruição de si mesma. Neste aspecto, concordamos com F. Hatzel, que escreve com razão:
"o homem não deve considerar-se a si mesmo como exceção das leis da natureza; que comece pois, finalmente, a corrigir a regularidade dos seus atos e pensamentos e procure levar uma vida de acordo com essas mesmas leis. Então chegará a ver a necessidade de organizar a convivência com os seus semelhantes, quer dizer, com a família e o Estado, segundo princípios racionais do conhecimento que tirou da natureza e não segundo as regras dos séculos passados... A política, a moral, os princípios jurídicos que todavia se alimentam de diversas fontes plasmar-se-ão exclusivamente conforme as leis naturais. A existência digna do ser humano, com que durante milênios se sonhou, será finalmente uma realidade."
Esta época aproxima-se a passos de gigante. Durante milhares de anos, a sociedade humana passou por todas as fases de desenvolvimento para atingir, finalmente, o ponto de onde partira: a propriedade comunista e a plena igualdade e fraternidade, porém, agora não apenas dentro do clã, mas à escala de todo o gênero humano. Este é o grande progresso. O que a sociedade burguesa em vão procurou, contra o que esbarra e deve esbarrar — a instauração da liberdade, da igualdade e da fraternidade de todos os homens — o socialismo torná-lo-á realidade. A sociedade burguesa mais não podia fazer que formular a teoria; a prática, como em muitas outras coisas, contradizia as suas teorias. O socialismo juntará a teoria à prática.
Mas, voltando ao ponto de partida do seu evoluir, a humanidade fá-lo a um nível incomparavelmente mais vasto da civilização. A sociedade primitiva possuía a propriedade comum da gens e no clã, porém, isso revestia a forma mais tosca e encontrava-se ao mais baixo nível de organização. A via de desenvolvimento percorrido desde então acabou com a propriedade comum, reduzindo-a a pequenos e insignificantes restos, fracionou a gens e, no fim de contas, dividiu em átomos toda a sociedade, embora nas suas distintas fases elevasse poderosamente as forças produtivas desta, a diversidade das necessidades e criasse, a partir das tribos e das gens, as nações e os grandes Estados, gerando, por sua vez, uma situação que entrou na mais fragrante contradição com as necessidades da sociedade. A missão da futura sociedade consiste em dar solução a esta contradição, voltando a converter, numa mais extensa base, a propriedade comum.
A sociedade volta a tomar posse do que noutros tempos lhe pertenceu, o que própria criou e tornará possível que todos, em concordância com as condições de vida recém-criadas, vivam a um nível superior da civilização, isto é, dá a todos o que, em condições mais primitivas, só podia ser privilégio de uns quantos indivíduos ou de determinadas classes. Agora, tal como na sociedade primitiva, também a mulher torna a desempenhar papel ativo, não como senhora, mas como igual ao homem.
"O final da evolução do Estado parece-se com o começo de existência humana. Restabelece-se a igualdade originária. A existência baseada na maternidade abre e fecha o ciclo das coisas humanas" - disse Bachofen na sua obra intitulada Das Meterrecht (O matriarcado).
E Morgan escreve:
"desde o advento da civilização chegou a ser tão grande o aumento das riquezas, tão diversas as formas deste aumento, tão extensa a sua aplicação e tão hábil a sua administração em benefício dos proprietários, que tais riquezas constituíram uma força irredutível oposta ao povo."
A inteligência humana vê-se impotente e desconcertada perante a sua própria criação. No entanto, chegará o tempo em que a razão humana será bastante forte para dominar a riqueza, chegará o tempo em que se fixará as relações do Estado com a propriedade que este protege e os limites dos direitos dos proprietários.
Os interesses da sociedade absolutamente superiores aos interesses individuais, uns e outros devem concordar numa relação justa e harmônica. A simples caça à fortuna não é o destino final da humanidade, pelo menos se o progresso for a lei do futuro como o foi no passado. O tempo transcorrido desde o advento da civilização não é mais que uma fração ínfima da existência passada da humanidade, uma ínfima fração das épocas que hão-de vir. A dissolução da sociedade ergue-se ameaçadora perante nós, como o fim de uma corrida histórica, cuja meta é a riqueza, porque tal corrida encerra os elementos da sua própria ruína.
A democracia na administração, a fraternidade na sociedade, a igualdade de direitos e a instrução geral, farão vislumbrar a próxima etapa superior da sociedade para a qual tendem, constantemente, a experiência, a ciência e o entendimento.
Será uma revivescência da liberdade, da igualdade e da fraternidade das antigas gens, porém sob uma forma superior.
Assim, homens das mais diversas concepções, chegam a idênticas conclusões arrancando-as das suas investigações científicas. A completa emancipação da mulher e a sua igualdade com o homem constituem um objetivo do nosso desenvolvimento cultural e não há força no mundo capaz de impedi-lo. No entanto, a emancipação completa só é possível na base de uma viragem radical, que ponha fim ao domínio do homem sobre o homem e, assim, ao capitalismo sobre o operário. Só então a humanidade atingirá o seu mais alto grau de desenvolvimento. Será então o "século de ouro", com o qual os homens sonham há milênios. Ter-se-á acabado para sempre com o domínio de classe e assim se terá chegado ao fim do domínio do homem sobre a mulher.
Este assunto é vasto e polêmico, vamos dar continuidade...