Quando chegou a hora de decidir qual profissão seguir, Rubens Xipaya se lembrou da própria mãe. Ainda jovem, ela precisou sair da comunidade em que vivia, em Altamira, no Pará, e ir até Belém para buscar atendimento de saúde para o pai, que corria o risco de perder a visão por causa de uma catarata. Hoje, Rubens está estudando medicina na Universidade Federal do Pará (UFPA) com o objetivo de atuar nos territórios indígenas.
“Não é fácil saber que minha mãe precisou se desligar da sua comunidade para buscar tratamento na capital porque em Altamira e na sua comunidade não tinha. Eu preciso ajudar a mudar isso e que outras mães e famílias não tenham o mesmo destino longe de seu território”, afirma.
Histórias como a de Rubens têm se repetido cada vez mais na Amazônia Legal: os indígenas estão tendo maior acesso às universidades públicas. Em 2022, pouco mais de 6 mil indígenas estavam matriculados em uma das 26 instituições de Ensino Superior
Uma Instituição de Ensino Superior (IES) pode ser uma universidade, centro universitário, faculdade, instituto ou escola, seja pública ou privada, federal ou estadual.
públicas da região. Esse número é três vezes maior do que em 2013, primeiro ano de aplicação da Lei Federal de Cotas (12.711/2012).
Entre 2012 e 2022, o total de estudantes indígenas matriculados cresceu 245% na Amazônia Legal, passando de 1.784 para 6.157. Além disso, o número de ingressantes que iniciaram a formação nesse período aumentou 82,5% (de 635 para 1.159). Esses dados fazem parte de um levantamento da Amazônia Vox, do Portal Assobiar e da InfoAmazonia, com base nos censos educacionais e demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A análise, que abrange os censos de 2012 a 2022, permitiu comparar a evolução anual da presença indígena nos grupos de ingressantes, matriculados e concluintes.
Menos de 10% terminam o curso
Em 10 anos, de 2012 a 2022, 53.757 indígenas se matricularam em cursos de graduação públicos na Amazônia Legal, mas apenas 5.327 concluíram os estudos, o que representa uma taxa de conclusão inferior a 10%. Abimael Munduruku, que ingressou na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em 2013, hoje é professor universitário e explica que existem uma série de dificuldades específicas aos indígenas no ambiente acadêmico.
“A minha graduação foi bastante desafiadora, porque eu não conseguia simplesmente me ver como apenas um estudante. Muitos estudantes indígenas enfrentam grandes dificuldades porque nos tornamos lideranças e, ao mesmo tempo, uma esperança para a nossa comunidade. Isso você não consegue deixar de lado”, afirma.
Além disso, há a barreira da língua. Segundo Marília Leite, docente da formação acadêmica indígena da Ufopa, a universidade pode ser um ambiente em que os idiomas e os conhecimentos ancestrais indígenas não são valorizados. Isso gera um tipo particular de preconceito contra aqueles que não dominam completamente a língua portuguesa.
“Sofre quem fala uma língua indígena e sofre quem não fala, porque o problema não é a língua em si, mas a identidade dessas pessoas […]. Os que falam português na universidade enfrentam preconceito, sendo considerados ‘falsos indígenas’. Já os falantes de uma língua originária também sofrem, porque, quando falam com sotaque, as pessoas dizem: ‘ele não sabe falar português direito’”, conta Marília.
Na UFPA, a maior universidade do Norte do Brasil em número de estudantes, são adotadas políticas de ingresso para estudantes indígenas e quilombolas, visando reduzir parte desses problemas, tanto para aumentar o ingresso dessas populações quanto para mantê-las matriculadas. Entre as políticas, está o Processo Seletivo Especial para Indígenas e Quilombolas (PSE I/Q), que reserva quatro vagas adicionais em todos os cursos de graduação presencial, sendo duas para indígenas e duas para quilombolas.
Além disso, em 2011 foi criada a Associação dos Povos Indígenas Estudantes na Universidade Federal do Pará (Apyeufpa), formada por estudantes indígenas de diversos cursos de graduação da UFPA. A diretoria da associação acompanha os universitários de forma permanente e se reúne em uma sala própria dentro do campus central, em Belém, conquistada em 2017.